Patinho Branco
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Olha o Palhaço!
domingo, 30 de agosto de 2009
Pão Recheado
Esse pão fica uma delicia e vale por um jantar ou almoço. No próximo final de semana na praia, de uma folga a patroa e ponha a mão na massa.
O sucesso é garantido, mas prepare-se, vai ter que fazer pão todo final de semana.
O grande segredo dessa receita é a caipirinha que se prepara antes e toma-se durante a preparação do pão.
Cobrir a massa com um pano e deixa descansar por meia hora. Ralar a linguiça e picar bem miudinho dois tomates e uma cebola.
O presunto é colocado em fatias, mas no outro pão, com um dos tomates picados e meia cebola, também picada. Não se esqueça de jogar um pouco de orégano.
Ingredientes:
4 xícaras de farinha de trigo
2 ovos
1 xícara de leite morno
1/2 xícara de óleo
1 colher de sopa de margarina
1 envelope de fermento
sal e açúcar - nada ou se preferir 1 colher de café de cada
Recheio:
1 linguiça calabresa ralada ( um pão)
300g de presunto em fatias ( o outro pão)
1 cebola picada (grande)
orégano que baste
Modo de preparar:
Em uma vasilha misture os ingredientes, exceto o recheio que vai entrar depois. Sove bem a massa até que fique uniforme e homogênea, deixando descansar na própria vasilha, coberta, por uns 20 minutos.
Enquanto isso rale a calabresa, descasque e pique a cebola e os tomates.
A essas alturas, a massa já cresceu e a caipirinha diminuiu, então com cuidado, corte a massa ao meio de modo a preparar dois pães.
Abra a massa com um rolo com mais ou menos 30x40cm, cubra com as fatias de presunto e por cima a cebola e o tomate picados, jogue um pouco de orégano. Enrole como se fosse um rocambole e coloque em uma forma previamente untada.
Abra a outra metade da massa, espalhe a calabresa ralada, depois a cebola e o tomate picados e jogue um pouco de orégano. Enrole e coloque na mesma forma com o outro pão.
Leve ao forno pré-aquecido em180 graus. O tempo de preparo pode variar em torno de 40 minutos, até dourar.
PS: Você também pode acrescentar queijo nos recheios, muçarela ou frescal (100gr).
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Historia de índio
Quando estava em terra, arrumava suas redes com paciência, fiando e fiando aquela linha de náilon, dura, que deixava suas mãos tão judiadas pelo tempo, cada vez mais calejadas.
Ele sempre tinha em casa um peixinho para vender, já que nem tudo que pescava vendia para a peixaria, que era também uma venda, onde os pescadores vendiam seus peixes e compravam mantimentos para a semana, marcado na velha caderneta.
Boa parte das contas, era paga com os peixes que esses pescadores traziam, todo fim de tarde, e pagava-se sempre com os melhores exemplares, a preços aviltados, é evidente. Não havia pescador da região que não estivesse devendo na vendinha, também conhecida como a venda do japonês.
O estabelecimento, era uma edificação simples localizada no areião da praia. Não havia outro lugar próximo que se pudesse vender e comprar, de forma que a vendinha fazia parte da paisagem local, servindo de farmácia, banco, correio, mercado e etc.
O dinheiro que o Jacaré ganhava vendendo peixe em casa, ajudava a manter as contas em dia, já que os melhores exemplares ela não levava para a vendinha, mas guardava em casa em um freezer velho, todo enferrujado por fora, mas limpinho por dentro, como ele fazia questão de dizer.
Na época de defeso, pouco se podia fazer, a não ser tomar pinga na vendinha e contar historias de pescador, que nem sempre eram de pescador, e nem sempre eram mentiras.
Nesse dia, nosso amigo Jacaré, resolveu contar uma historia da sua infância, do tempo em que vivia junto com os índios da região. Sua mãe era índia e seu pai um pescador que viera do sul, jogado na praia, depois que seu barco afundou em uma tempestade.
Não conheceu seu pai, que morreu tempos depois de seu nascimento, sendo criado pelo seu tio Apoanã que era cacique, muito respeitado na região, entre os índios e conhecido pela sua valentia. Rezava a lenda que Apoanã pegava onça à faca, se era lenda ninguém sabe ao certo, mas no seu corpo não faltavam cicatrizes.
Era comum, contava o Jacaré, andar pela mata por dias, procurando caça, já que não havia muita, mas ainda era possível encontrar em certos lugares alguns animais como paca, raposinha e com sorte até macaco. Tinham que competir com caçadores da cidade, bem armados, ou funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana cujas linhas, passavam ali pela orla, forçando os índios a avançar cada vez mais fundo na mata, se deparando por vezes com surpresas desagradáveis, como dar de cara com um animal predador de grande porte, como uma onça pintada, ou mesmo uma susuarana.
Certa vez, em uma dessas caçadas que levam dois a três dias de caminhada na mata, Jacaré e seu tio Apoanã, estavam seguindo o rastro de uma Paca, a beira de um córrego, provavelmente onde o animal ia beber água. Estavam de tocaia, espreitando na mata a procura da Panca, que já haviam avistado, mas como ela estava em movimento, ela sumia por entre os galhos e arbustos, quando perceberam o vulto de uma figura que caminhava ao lado deles, sem fazer ruído algum, que parecia andar flutuando.
Em um rápido olhar só perceberam um vulto escuro, não puderam ver claramente, era como uma sombra que se movia silenciosamente entre os galhos. Jacaré e seu tio ficaram gelados de susto e medo com aquela visão repentina. Uma onça viera por detrás deles, de olho também na Paca, quando todos se entreolharam no mesmo instante se dando conta uns da presença dos outros.
A sombra passou por eles sem dar a menor atenção, indo em direção à Paca que desesperada com o iminente ataque, desapareceu na mata em desabalada carreira, deixando a pantera e os nossos amigos para trás e frente a frente com a onça. O que ninguém esperava é que mais um personagem estava a espreitar.
Não demorou em a onça perceber o vulto próximo indo na sua direção, e o encarou e rosnou ameaçando atacar. O vulto não mostrou o menor medo ou surpresa e simplesmente olhou fixamente para a fera, que caiu dura, não deu tempo nem de piscar os olhos. Nossos heróis estavam perplexos e imóveis, não encararam aquela sombra, que ficou ali, observando por alguns segundos antes de desaparecer na floresta .
Jacaré e seu tio resolveram sair de cena calmamente como se nada tivesse acontecido, já que não haviam sido atacados pelo vulto, que a essa altura já deveria estar longe. Caminharam pela mata, seguindo trilhas feitas naturalmente pelos animais, fáceis de serem seguidas e reconhecidas pelos índios, que rapidamente desapareceram por entra as arvores. Caminhavam em silencio absoluto e a passos rápidos. As pernas pareciam querer correr por conta própria, como se não dependessem de um comando, tal o pavor que ficaram com os acontecimentos, mas tentavam conter o medo, pois correr, seria denunciaria onde estavam.
Pararam debaixo de uma arvore enorme, haviam andado pela mata por horas e estavam esgotados. Ficaram ali uns bom tempo e depois de avaliarem os últimos acontecimentos, resolveram continuar caçando, pois estavam certos de que o vulto havia ficado para trás.
Estavam apanhando paus e cipós para fazer uma armadilha, já que tinham visto pegadas de animais que andavam por ali.
Amarravam os paus, um a um, com agilidade de modo que rapidamente a armadilha ia tomando a forma de uma caixa engradada com paus amarrados com cipós, com uma porta em um dos lados . Enquanto Jacaré saiu para apanhar mais cipó, Apoanã, sentado no tronco de uma arvore caída, ajeitava os paus no chão quando percebeu uma sombra que ficara ao seu lado, sem fazer o menor ruído. Apuanã gelou novamente, lembrou da onça fulminada pelo olhar da sombra sem rosto e não levantou a cabeça, continuou arrumando os paus enquanto era observado.
Seu companheiro, que de longe assistia a tudo, tratou logo de se esconder por entre os arbustos, mas fez barulho , chamando a atenção para si, e a sombra desapareceu pela mata, silenciosamente.
Ficou claro que estavam sendo seguidos, e tudo fizeram para não deixar pistas na floresta, se comunicavam por gestos, não deixavam marcas ou rastros que pudessem ser seguidos. Estavam muito assustados e longe de casa, de modo que resolveram voltar o mais rápido possível. Precisavam se livrar daquele vulto e assim combinaram fazer a volta por um outro caminho alternativo, que apesar de mais longo, seria mais seguro, mesmo correndo o risco de encontrar com outros guaranis, a quem eram hostis e vice- versa, mas diante da situação que estavam vivendo, parecia ser a melhor opção.
Apesar de muitas áreas devastadas, ainda havia trechos da mata conservados, mostrando a exuberância da floresta. Arvores enormes, orquídeas maravilhosas, pés de palmito, Manacás floridos, riachos onde se via os peixes em cardumes, pássaros como os Sanhaços, Tiés sangue, Sete Cores, Sabiás e Saíras de todas as cores, por todo lado se percebia a presença de animais, pegadas no chão denunciadas pelo solo sempre úmido da mata fechada,que os nativos conhecem tão bem. Escolheram um lugar para fazer a maloca e passar a noite, que já vinha chegando.
Quando a noite chega, os índios, que conhecem os segredos das florestas como a palma da mão, se recolhem e não se atrevem sequer a olhar para a escuridão. A noite na mata é coisa de dar medo, os ruídos são amplificados, qualquer animal por menor que seja, até um inseto, parece ser um mostro pré-histórico pronto para o ataque. Mas o que dá medo mesmo nos índios, são os espíritos de seus ancestrais que vagueiam por entre as arvores, medo da mãe do ouro e do curupira, do saci e do boitatá.
À noite apesar de mal dormida, passou sem sobressaltos, Apuanã arrumava as tralhas para seguir viagem, enquanto o nosso Jacaré, com pouca tralha já estava pronto para por o pé na trilha, sempre vigiando o caminho pela frente, pois estavam em território alheio.
Apoanã ia à frente, com cuidado pois já havia sinais da presença de outros índios por aquela trilha, e vez por outra a mata de abria em clarões, alargando a trilha, facilitando a visualização, o que poderia denunciar a presença dos intrusos.
Foi em uma dessas clareiras que Apuanã, viu dois índios, previamente denunciados pela confusão que faziam, brigando e discutindo, não se sabe o motivo, mas brigavam de facões em punho.
Rapidamente se esconderam por entre o mato e ficaram observando a luta, que já durava alguns minutos, quando uma cabeça foi praticamente decepada, por um golpe certeiro. Alguém mais, um vulto já conhecido, também observava a luta, e resolveu se aproximar no momento da queda do índio, enquanto o outro se retirava sem olhar para trás. A sombra se aproximou do corpo caído, olhou ao redor, se curvou e de um só golpe, colocou a cabeça do infeliz no lugar, Segurava o pescoço do pobre índio como se estivesse costurando de volta no lugar. Olhou ao redor novamente e saiu na direção do outro índio que se embrenhara pela mata.
Apuanã se aproximou do índio caído no chão e viu o pescoço como que colado,de volta ao seu lugar, que já não sangrava e começava a apresentar sinais de cicatrização. Seu rosto estava desfigurado pelos golpes de borduna, quando de repente abriu um dos olhos, o que restava, pois o outro estava completamente roxo e inchado.
A dupla saiu em disparada pela mata sem olhar para trás, nunca viram coisas tão medonhas, em tão pouco tempo: deram de cara com uma onça; foram seguidos por um espírito; viram um índio ser degolado e ressuscitado , e agora estavam sendo perseguidos pelo zumbi degolado. Só pararam de correr no cair da noite, quando chegaram de volta a tribo. Exaustos, dormiram um sono pesado e sonharam sabe-se lá com o que.
Foi pela manhã que encontraram com o resto da tribo e contaram a aventura de terror que viveram nos últimos dias, só que para uma audiência de mulheres e crianças, já que os homens estavam no lago, a uma hora de caminhada pela mata. O lago era na verdade o encontro de dois rios que formavam uma grande bacia, que alguns quilômetros adiante se encontrava com o mar, servindo como caminho de acesso à tribo.
Esse caminho era normalmente usado para visitas de equipes medicas e de vacinação ou alguma outra autoridade, que partindo da cidade por barco era possível se chegar próximo da tribo de maneira mais rápida e confortável.
Ocorreu que enquanto Jacaré e seu tio foram caçar, uma equipe de cientistas franceses, com cerca de nove pessoas, estiveram visitando a tribo e desapareceram, no mesmo dia, sem deixar vestígios, tendo desaparecido inclusive o barco que estavam utilizando.
Naquele exato momento , os índios estavam sendo interrogados pelas autoridades, para esclarecimento do caso, que convenientemente estava escondido da grande imprensa. Havia a suspeita de canibalismo, como era de costume desse povo, em épocas remotas. Os índios por sua vez alegavam ás autoridades que não sabiam do paradeiro dos franceses e nem do barco, pois eles não estiveram na tribo em momento algum.
Os índios, alertaram as autoridades, para o fato de que havia naquele lago uma maldição, que em certas noites, uma luz muito forte emergia do fundo da lagoa, desaparecendo com quem olhasse para ela.
As autoridades, claro, não acreditaram nas crendices indígenas e continuaram as instigações por todo o dia, sem chegar a uma conclusão. Foram embora à noite para retornar no dia seguinte, mas nunca mais voltaram ou deram noticia. Talvez precisassem consultar instancias superiores, já que o caso envolvia estrangeiro, mas sabe-se que oficialmente, a teoria de canibalismo foi a que prevaleceu e por ai morreu o assunto, sem que chegasse a mídia.
Depois que as autoridades foram embora, na aldeia, por entre os índios, passeava um vulto sem rosto, que não era encarado, conforme instrução do Cacique Apoanã .
Foram muitos os dias em que o visitante esteve entre eles, e já nem se incomodavam com a sua presença. Ele nada perguntava, apenas observava aqui, depois ali, e passava o dia acompanhando as pessoas, como se não existisse ou fosse invisível.
Em um fim de tarde, ainda não era noite, uma explosão foi ouvida, vinda do lago, e todos foram ver. A luz que tudo sugava, saiu das profundezas e subiu ao céu, como uma bola de fogo.
Quando voltaram à tribo, perceberam que a sombra sem rosto também tinha desaparecido e deixado algo para trás.
No meio das ocas onde se realizam os cerimoniais, sobre um tronco, brilhava uma pedra que flutuava no ar emitindo raios azuis, vermelhos e amarelos.
Pouca gente conhece essa historia, cuja pedra ainda esta guardada com os índios da região, que em certas noites, dançam à luz da pedra, flutuando sempre que entram em transe.
Essa foi a historia do nosso amigo Jacaré, que a essas alturas já tinha bebido todas, e não tinha mais condições de contar mais nada.
Ninguém que esteja sóbrio pode acreditar nessa historia, mas é fato que há muitos anos se ouvi falar desses franceses que desapareceram na mata atlântica e de coisas estranhas aconteceram naquela região, como pescadores que saiam ao o mar para verificar suas redes, e seus barcos mudavam de percurso sem motivo aparente; motor de barcos que desligavam e mais à frente ligavam sozinhos; peixes estranhos e nunca vistos estavam sendo abatidos a tiro.
domingo, 16 de agosto de 2009
Rosinha, Minha Canoa
Rosinha, Minha Canoa
Um livro que fica impregnado em nossa alma, um verdadeiro hino à ecologia, uma lição para quem vive nas cidades e uma verdadeira oração para quem compartilha a dureza e a beleza da vida no campo.
Zé Orocó, personagem principal, nos mostra que a felicidade caminha de maõs dadas com a alma e a liberdade.
A liberdade, de escolher, de conduzir sua própria vida, sem dar trela as idéias pré-concebidas, as regras ditadas, por poucos, para muitos.
A paciência, é a única saída para livrar a alma, quando não se pode mais livrar o corpo dos grilhões impostos pelo sistema.
Rosinha Minha Canoa é uma estória singela e cativante, que transforma a vida simples do caboclo Zé Orocó, em uma luta na busca da liberdade da sua alma, que verga, mas não quebra diante da adversidade. Quando tudo parece perdido e acabado, Zé Orocó chuta o balde, e segue sua vida, segundo o seu entendimento.
Esse livro foi para mim uma lição de vida. Carrego até hoje a emoção dessa aventura, que enche o espírito de esperança e fé na nossa caminhada e na realização de nossos sonhos.
Um livro simples, mas cheio de emoção e de respeito pela vida. Em momento algum o leitor se sente ofendido ou contrariado por esse ou aquele pensamento, mesmo para aqueles que passam a vida, entre canoas e cavalos falantes, como nós outros.
José Mauro de Vasconcelos não foi só um escritor que vendia livros como água, nos anos 70, mas um autor amplamente criticado pela mídia, tido injustamente, como escritor de segunda linha, já que escrevia para o publico juvenil, como se morasse aí, algum pecado original e imperdoável, que condenasse essas obras de espírito leve e agradável, que tanto nos dá prazer.
Campeão de vendas, parece que seu sucesso junto ao público incomodava a critica, enquanto seu estilo, leve e emocionante, pegava em cheio na sensibilidade dos leitores.
José Mauro de Vasconcelos:
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O Retorno do Planeta X, Reflexos
Esse pontinho ao lado do Sol, deveria ser o Planeta Vermelho, ou o Planeta Chupão, ainda conhecido por Nibiru, mas não é.
Trata-se apenas de reflexo da luz do sol.
Uma das fotos foi tirada as 10 horas, com Zoom máximo (digital).
A outra foto foi tirada no mesmo horário, porém de outra posição e sem Zoom.
O ponto avermelhado é o mesmo, porém além de mudar de cor, mudou de lugar em relação ao sol.
As fotos foram tiradas depois que li num site, entre outros, esta postagem (em azul), abaixo:
Mais informações (de onde eu tirei o vídeo acima) pode ser obtidas no site:
Mais sobre o Planeta X/Nibiru:
1. http://www.youtube.com/watch?v=uXQt8BGVyGc&feature=related
2. http://www.mefeedia.com/entry/zeta-report-second-sun/19393340 (vídeo com fotos recentes do Segundo Sol, o planeta X)
3. http://www.youtube.com/watch?v=N3f4juay1pc [vídeo com contraste entre Sol e Nibiru]
4. http://www.youtube.com/watch?v=qth_ijCzoLY [note a cor mais avermelha de Nibiru, quando comparada com o Sol]
5. http://www.youtube.com/watch?v=tH_pRPDvoDQ [desconsidere o péssimo inglês do russo]
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Nada se cria, tudo se copia
Segundo matéria Globo.com, especialistas afirmam que Jeová, Deus para os menos atentos, é na verdade um misto de outras divindades mais antigas, que foram muito populares, lá pelas bandas do oriente, por aquela época remota.
A idéia dos especialistas, não seria a de mostrar Deus, como mais um personagem mitológico criado pelos homens, mas mostrar o caldo cultural que provavelmente influenciou nos fatos ocorridos, e que depois influenciaram na evolução de novas aglomerações de povos na região.
Os pesquisadores acham que os territórios palestinos, Líbano e Síria, contribuíram para a formação das idéias que os israelitas tinham em relação aos seres divinos.
Há indícios muito confiáveis indicando que Jeová é uma fusão entre deuses, evidentemente, de deuses mais antigos cultuados na região; um deus idoso e patriarca chamado El e outro jovial e guerreiro chamado Baal, alem de uma divindade feminina chamada Asherah.
As analises dos especialistas se baseiam no fundo cultural, formado pelos israelitas e seus vizinhos, com os quais viviam guerreando, e também se relacionando de outras formas.
A bíblia coloca o povo israelita, como distantes culturalmente do vizinho povo de Canaã, mas dados arqueológicos revelam o contrario, isto é, profundas semelhanças não só de língua, mas também de costumes e cultura material.
A cidade de Canaã, Ugarit, cuja língua e cultura eram praticamente idênticas a de seus vizinhos do sul, foi destruída no ano de 1200 ªC. Mas arqueólogos recuperaram numerosas inscrições da cidade, onde é possível antever incríveis semelhanças e também diferenças, com as narrativas bíblicas. Acredita-se que a cidade de Ugarit é a base e fundo cultural que deu origem as tribos de Israel.
Uma das figuras mais proeminentes, encontradas nos textos dos achados arqueológicos, referem-se a El, um deus velho que nos remete a figura dos patriarcas, como na figura de Jeová, no livro do Gênesis e ainda personificado pelos ancestrais dos israelitas, Abraão, Isaac e Jacó. As semelhanças com os textos bíblicos vão bem mais alem.
O jovem deus Baal, retratado como guerreiro, cuja personalidade muito se assemelha a de Jeová, que também é visto como Deus da Guerra; destruindo carros de guerra e depois guiando a tribo de Israel para a propria guerra.
Tal e qual o deus Baal, Jeová é descrito cavalgando as nuvens, trovejando e até impondo sua vontade sobre os mares. As semelhanças com os textos bíblicos também vão bem mais alem.
A dupla personalidade de Jeová, fica perfeitamente explicada pela combinação dessas duas entidades mais antigas. O lado feminino, vem da Asherah, deusa da fertilidade e esposa de Baal, mas a semelhança com essa divindade, necessita de uma certa sutileza de raciocínio, já que o comportamento de Deus na bíblia é absolutamente masculino, apesar de que em cultos muito antigos Jeová, era adorado como Deus da fertilidade, que convenhamos, em matéria de religião, trata-se de assunto absolutamente feminino.
PS: a matéria pode ser vista em: hppt://g1.globo.com/noticias/0,,mul652419-9982,00html
terça-feira, 4 de agosto de 2009
O Trem da Morte
Saiu da estação da Luz em São Paulo às 9 horas pontualmente. Se me lembro era um trem razoavelmente confortável e muito imponente, espaçoso de dar gosto.
Tomei meu lugar, ao meu lado o meu amigo Waldir, companheiro de todas as horas nessa viagem.
Trabalhávamos na mesma empresa e quando descobrimos que poderíamos tirar férias na mesma data, arranjamos logo algo para fazer: viajar pela América do Sul de trem, o que seria uma bela aventura, alem de custar relativamente pouco, como convinha. Era o pé na estrada, no caso, pé na estrada de ferro.
Isso era mesmo coisa de jovem, passeio da moda, pois no trem encontramos outros grupos que já vinham viajando desde o nordeste, todos estudantes também, acompanhados das namoradas, do violão, papagaio e muita cantoria.
Estávamos ansiosos, esperando a partida do trem, que ainda faltavam alguns minutos e dávamos assas a imaginação especulando como seria a viagem, até onde seria possível chegar sem visto. Era meio que lenda, a historia de um acordo entre os paises da América do Sul que permitia viajar, por esses paises, só com a carteira de identidade. A política nessa região sempre foi bastante conturbada e era um golpe político atrás do outro, que dependendo do governo da época, da guerrilha e do trafico de drogas, podia-se ou não viajar só com a carteira de identidade. Mas isso nós acabaríamos descobrindo na hora de entrar na Bolívia, cuja fronteira era relativamente vigiada, nem tanto devido ao trafico de drogas e mais pelo movimento da guerrilha, já que no Brasil estávamos em plena ditadura militar e os nossos generais queriam ver esse negocio de guerrilha bem longe, afinal dava muito trabalho.
As poltronas eram numeradas, de forma que foi fácil se acomodar já que de bagagem levávamos apenas uma mochila cada um. Os passageiros todos nos seus lugares, uma ou outra criança agitando, mas nada que incomodasse, a viagem seria mesmo uma maravilha. Mal sabíamos o que nos esperava.
De fato a viagem era muito confortável , bem diferente das viagens urbanas nos trens da Santos Jundiaí, que fazíamos às vezes entre as cidades da Grande São Paulo, trens lotados, bêbados vendedor de amendoim, pastor pregando, e os batedores de carteira que nunca eram presos.
Viajamos por horas, talvez sete ou oito, até chegarmos a cidade de Bauru, onde tivemos a primeira surpresa da viagem. Uma baldeação, aquilo que nos aeroportos chamamos de conexão, que deveria ser uma coisa tranqüila e sem maiores correrias.
Quando o trem parou na estação de Bauru, todo mundo saiu correndo do trem, como se alguem gritasse bomba, bomba, e rapidamente ocupavam a outra composição de trens, que estava em frente na outra borda da plataforma.
Eu e o meu companheiro, o Waldir, calmamente apanhamos nossas mochilas e nos dirigimos para a outra composição à procura dos nossos lugares, quando descobrimos que a numeração das poltronas já era, não valia mais, quem sentou, sentou, quem não sentou não senta mais.
Nessa fase da viagem o trem já estava mais vazio, mas nem tanto, e nos acomodamos onde foi possível, já que fomos os últimos a chegar, achando que nossos lugares estavam garantidos.
Andamos por todos os vagões, procurando um lugar que nos agradasse e notamos que somente os primeiros lugares, do lado esquerdo, a contar do inicio do vagão, estavam invariavelmente desocupados.
Marinheiros de primeira viagem que éramos, mas desconfiados de tudo, e sem alternativas, ficamos em um desses lugares logo nos primeiros bancos, que alias davam mais espaço para as pernas.
O trem partiu. No primeiro tranco da partida, a porta da cabine que ficava bem a nossa frente se abriu, e descobrimos porque ninguém queria ficar naqueles lugares, e lembrei do velho ditado; laranja madura na beira da estrada, ta bichada Zé, ou tem marimbondo no pé.
A tal cabine era tão somente o banheiro, que pelo cheiro, não era limpo há semanas, motivo também da correria na baldeação: todo mundo sabia do cheiro; menos nós.
As fechaduras dos banheiros de todos os vagões estavam quebradas, de forma que as portas ficavam abrindo e fechando, conforme o movimento do trem. Não tinha como isolar aquele cheiro fechando a porta, e ainda não tinha como evitar o “beng- beng” do bater da porta, com o balanço do trem.
Alem do cheiro e das pancadas da porta, a viagem correu sem novidades, a não ser o fato de que, a cada parada nas Estações, mais gente entrava e entupia o trem. Era de madrugada, e tinha gente de pé nos corredores de tão lotada que ficou a composição.
No fim de cada vagão tinha uma espécie de varanda, local muito usado pelos fumantes pois era proibido fumar no trem, e toda hora passava um funcionário de uniforme azul para fiscalizar, ou os fumantes, ou as passagens, ou anotar algum pedido para o restaurante, ou ainda entregar o marmitex, já que o carro restaurante, não se sabe porque, não funcionava. Com o trem lotado, o povo comia em pé mesmo. Era um prato de arroz com feijão, farofa e frango, que quando caia no chão, sujava tudo de gordura e complicava ainda mais a limpeza daquele velho trem, desconfortável e sujo.
Era dezembro e o calor estava insuportável. Durante o dia a paisagem distraia, mas durante a noite com o trem cheio, a distração era olhar para a cara dos outros ou fingir que estava dormindo, já que dormir mesmo não dava.
Eram pessoas muito sofridas, tristes e com um comportamento às vezes estranho ou diferente do esperado, eram pessoas que não vemos no dia a dia, não por elas não existirem, mas por estarem escondidas na multidão. Nessas ocasiões é que percebemos a diversidade do povo brasileiro, povo moreno em sua maioria, com poucos brancos ou negros. Essa imagem da nossa gente, só se conhece viajando pelo interior do Brasil, um povo moreno como os Hindus, que não aparece na televisão, e portanto é como se não existisse, mas esse é o verdadeiro povo brasileiro. Só quem viajou pelo interior do Brasil, pode dizer que conhece seu povo, quem não viajou nem imagina. Quem não é moreno, seja da etnia que for, um dia será, claro que falamos da descendência. Um dia, seremos todos mestiços, da cor dos hindus.
Era noite, um calor infernal, e a maioria das janelas ficavam fechadas, ou por vontade do passageiro que não queria tomar vento, ou por defeito mesmo, por falta de manutenção, já que as estradas de ferro estavam se acabando, conforme a política vigente até os dias de hoje, para facilitar a vida da industria automobilística.
Mas, retornando a viagem, o calor é infernal naquela região e o que salvava era o vento do trem em movimento, mas quando o trem parava nas estações o vento sumia. Era mais gente que entrava e ninguém saia, parecia horário de pico em São Paulo, só que no meio do mato. O leitor pode estar achando que eu exagero na narrativa, mas é isso mesmo. No meio de mato a caminho de Campo Grande , duas horas da manhã, o trem lotado e um escuro de dar dó, parado no meio do nada, esperando o outro trem que vinha em sentido contrario, já que o trilho, só tem para uma via. Nós suávamos de bica.
Eu não agüentava mais aquele calor, alem do mais precisava mexer as pernas, pois já havia horas que eu estava sentado naquela poltrona desconfortável. Fui ate o fundo do trem, na tal da varanda, tomar um ar, apesar de correr o risco de perder o lugar, que o Waldir guardava. Nessas horas era preciso virar um Dobermann para convencer aos mais insistentes, que o lugar estava ocupado.
O trem continuava parado na mais completa escuridão a não ser por uma ou outra pequena luz, talvez de emergência que ficava acesa, mas não iluminava nada, apenas sinalizava sua posição. Fiquei ali na varanda fumando e me refrescando com o ar fresco, ouvindo o barulho da bicharada no mato e apreciando o céu estrelado, que pela escuridão da mata ficava mais estrelado ainda.
Havia no céu uma estrela maior que as outras, e que parecia se mexer de tão brilhante que era. Julguei ser Vênus, muitas vezes confundida com óvni, de tão grande que ela aparece no céu. Planeta ou estrela era só um detalhe diante de tanta beleza, dei a ultima tragada naquele cigarro , pensando nos bichos barulhentos da noite, quando as luzes luz se acenderam. Sinal que o trem ia partir, quando olhei novamente para o céu, Vênus havia desaparecido. Entrei rapidinho.
Meu lugar ainda estava lá, mas o povo já andava de olho, o Waldir respirou aliviado quando cheguei, e daí ele foi também tomar um ar. Não falei nada de que Vênus havia desaparecido; afinal ele iria dizer que foi o cigarro, e não foi. O cigarro era cigarro mesmo!
Foi pela manhã, lá pelas oito horas que chegamos a estação de Campo Grande, que como as demais estações, era velha e mal cuidada, só que essa era um pouquinho mais feia. Fizemos nova baldeação.
Como já não éramos mais marinheiros de primeira viagem, ficamos espertos e fizemos a baldeação na velocidade de uma bala. Nem era preciso, pois o trem estava praticamente vazio, com meia dúzia de gatos pingados.
Os banheiros cheiravam igual ou pior que a composição anterior, e esse trem era na verdade bem pior. Os bancos eram bancos de fato, de madeira ripada, daqueles que o encosto vira de frete para trás e de trás para frente, composição bem antiga do tempo dantão.
Logo depois da saída de Campo Grande, vimos um Tamanduá Bandeira enorme, correndo solitário pelo campo. Foi uma visão inesperada, e inesquecível dada à beleza do animal vivendo em liberdade.
Já estávamos chegando a uma das regiões mais bela do planeta, o Pantanal, e a viagem começava a valer.
O trem quase vazio, ia parando pelas pequenas estações de forma que podíamos com tranqüilidade apreciar o povo local, povo de fronteira, um pouco rude e com costumes estranhos para nos. Lembro de uma dessas paradas, que da janela vi uma cena que por muitos anos ficou na minha lembrança. Foi quando um homem de aspecto rude, e que estava na plataforma para tomar o trem , se despedia do amigo , dizendo que ia até a cidade mais próxima, buscar remédio para sua mulher que estava doente, e puxando um punhal da cintura, entregou ao amigo pedindo a este que cuidasse da sua família ate sua volta. O amigo pegou a arma, e com certo ar solene disse: vá tranqüilo que eu não dormirei enquanto você não voltar.
Essa imagem ficou por muito tempo na minha lembrança, marcada pela rudeza desse povo das fronteiras, talvez lembranças de um passado belicoso com os povos visinhos, coisa ainda nem tão distante no tempo, que mesmo sendo águas passadas, ainda estão na memória do inconsciente.
Chegamos em Corumbá de noitezinha com pouquíssima gente no trem. Apanhamos as nossas mochilas para pernoitar na cidade, pois ali já era fronteira com a Bolívia e precisávamos de passagens para continuar a viagem do outro lado.
Como a estação ferroviária era um pouco retirada da cidade, procuramos um táxi que nos levasse até um hotel, mas não vimos nada, tudo deserto. Procurei a ajuda de um funcionário da estação, que nos apontou uma carroça dizendo que aquele era o táxi. Não acreditei, mas era verdade.
Dissemos ao carroceiro que queríamos passar a noite na cidade, pois estávamos de viagem para a Bolívia, e queríamos um hotel, apenas por aquela noite. Muito bem, andou com aquele cavalo por dois quarteirões e já estávamos no hotel. Pagamos uma bela corrida.
Era um hotel simples, mas confortável, e próximo da estação de trem, de forma que estava de mão para o dia seguinte, para continuar a viagem.
Estávamos na recepção do hotel , preenchendo a fixa, quando o gerente pediu que colocássemos horários diferentes na chegada ao hotel, coisa estranha, mas depois ele justificou dizendo que como éramos estudantes e barbudos, se colocássemos na fixa que chegamos no hotel juntos, no dia seguinte estaríamos presos, confundidos com querrilheiros.
Ficamos preocupados, aquele hotel era mesmo estranho, mas para uma noite servia. Havíamos combinado que logo pela manhã cairíamos fora, até que tivemos boa conversa com o gerente do hotel, que nos assegurou que se tentássemos tomar o trem para Santa Cruz, sem visto, seriamos presos no meio do caminho, já que policiais federais brasileiros e bolivianos viajavam no trem a procura de subversivos, qualificação muito comum naquele tempo, usada pelas autoridades para extorquir os cidadãos.
Informara ainda que a historia de se viajar só com a carteira de identidade, valia para bolivianos que vinham para o Brasil, mas não valia para brasileiros que iam para a Bolívia, tudo dependendo do governo que estava no poder.
Fomos até a Capitania dos Portos tentar uma autorização, que seria um tipo de Salvo Conduto, um tipo de quebra-galho, para que pelo menos pudéssemos chegar a Santa Cruz, sem sermos incomodados, ou se fossemos, teríamos algum documento para apresentar, tanto para uma policia, quanto para a outra.
Em vão, não conseguimos nada, talvez por causa da barba comprida, pois fomos muito mal atendidos pelos militares que ali estavam, já que era comum fornecerem essa autorização provisória, segundo os moradores do lugar. Essa vida de marinheiro de primeira viagem é triste. Para nós era o fim da linha.
Diante dos imprevistos, acabamos ficando naquele hotel estranho mesmo, já que fizéramos amizade com o Gerente, que descobrimos depois, era amante da dona do Hotel e amigão do marido dela, que também trabalhava lá pelo hotel, fazendo não lembro o que. Tiramos o dia para descansar e conhecer a cidade.
Corumbá é mesmo uma cidade muito quente, a temperatura às vezes beira e até passa os quarenta graus. Nos restaurantes e nos cafés, se servia primeiramente, pedisse ou não, água gelada em jarras enormes, que de tempos em tempos, eram trocadas por outras, já que perdiam o gelo muito de modo muito rápido.
Cerveja gelada saia do frízer, e tinha que ser bebida imediatamente, senão esquentava,
Apesar do calor, fumante que eu era, resolvi tomar um cafezinho antes do cigarro e entramos em uma dessas casas de café.
Achei que tinha errado a porta e entrado em alguma sorveteria. As paredes e o balcão eram de mármore ou granito, dando a impressão de estarmos em uma daquelas sorveterias antigas. Serviam nos balcões,as tais jarras de água gelada com copos igualmente enormes. Pedi o café, fumei meu cigarro e tomei a água gelada antes de ir embora e sair de novo naquele sol de matar.
O calor era tanto que para se tomar um cafezinho, primeiro tomava-se um copo de água gelada e só depois se tomava o café, alguns tomavam outro copo de água gelada depois do café.
No hotel, principalmente no restaurante, e durante o jantar, é que era possível observar a movimentação dos outros hospedes.Tão estranhos quanto o hotel,os hospedes estavam sempre cochichando às mesas, olhando de lado, sempre com ar desconfiado, principalmente na nossa presença. Acho que os estranhos nessa historia éramos eu e o Waldir.
No dia seguinte, fizemos um passeio de ônibus até Puerto Suarez, na Bolívia, para fazermos compras. Um
ônibus partia ali do centro de Corumbá, passava pela Aduaneira e parava em Puerto Suarez. Cidade pequena que mais parecia um vilarejo.
A Aduaneira, como era chamada, era provavelmente um posto do Exercito, já que pelo uniforme que usavam, pelas armas que carregavam e pela educação que tinham,não poderia ser outra coisa. Ameaçavam todo mundo, primeiro pedindo documentos de um e de outro, e os nossos evidentemente, alem de nos encheram de perguntas. Só não fomos presos, porque não por acaso, levamos nossas carteiras profissionais, que serviu para mostrar que não éramos apenas estudantes.
Nessa época estudante, comunista e guerrilheiro era tudo a mesma coisa, para o exercito naturalmente. Depois de checados os documentos e feito o interrogatório, ameaçavam prender quem comprasse produtos brasileiros, como camisetas, calças, sapatos e sei lá mais o que, já que no retorno o ônibus haveria uma revista geral.
Seguimos viagem por aquela estrada de terra , e dois quilômetros pra frente, passamos pela fiscalização Boliviana. Era um quiosque de sapé, com um único soldado, que sentado sobre uma cerca de mourões, acenava para nós dando um tchau. O motorista acelerou, e sumimos por entre as curvas da estrada barrenta, parando somente no nosso destino. Ainda era de manhã.
Era uma única rua , enlameada, que acabava em um rio, de forma que tínhamos que andar pelas calçadas, feitas de madeira, como nos filmes sobre o Velho Oeste. As lojas também eram de madeira e muito mal cuidadas, algumas nem pitadas eram. Nas vitrines, relógios Rolex, maquinas fotográficas e bebidas estrangeiras, faziam um contraste indescritível com o lugar.
Entramos em um bar e pedimos uma cerveja, afinal era preciso comemorar, não foi como queríamos, mas estávamos na Bolívia, e para caprichar pedimos uma cerveja boliviana; nem cachaça pura era tão ruim, e ainda estava sem gelo. Não deu para tomar.
Por fim compramos artesanato indígena e voltamos para o ônibus, pois era impossível andar pelas lojas, não pelo excesso de gente, mas pelo excesso de barro.
Voltamos para Corumbá, já á tarde, lá pelas quatro horas. O soldado Boliviano já tinha ido embora, a aduana no Brasil realmente revistou os passageiros, e liberou todo mundo e a viagem terminou sem sobressaltos.
Acho que por causa dos atropelos da viagem , os imprevistos, e o fato de estar longe da família, não havíamos percebido que os dias haviam se passado rapidamente e já era véspera de natal. Não podíamos seguir viagem sem os vistos e não havia tempo de retornar, para passar o natal em casa. Resolvemos passar o Natal no Hotel.
Como a essa altura, nos éramos os únicos hospedes no hotel, acabamos sendo convidados para a ceia de Natal, que seria promovida pela dona do hotel, cujo nome não lembro mais. Mas como nada na vida é de graça, havia uma condição a cumprir : teríamos que entregar a chave do quarto na recepção enquanto as meninas estivessem no hotel. Meninas?
Aconteceu um impasse. A ceia era uma coisa familiar e nada tinha a haver com os hospedes Hotel e como eles podiam colocar a gente para fora, resolveram nos convidar para ceia, desde que nos comportássemos, já que as meninas eram as filhas da dona do hotel.
Fiquei muito impressionado com aquela mulher, que me parecia uma bruxa mandona, pouco incomodada com o pobre marido, sempre chamando sua atenção, mesmo na presença dos hospedes, mal encarada e pouco ligando para as palavras. Tinha lá seus 48 anos, altura mediana, meio gorda, e com um andar que mais parecia uma pata indo para a lagoa. Quem acreditaria que essa megera, havia adotado crianças pobres, as quais cuidava com tanto zelo, que chamava de filhas, tendo pedido que mantivéssemos a porta do nosso quarto trancado, e com a chave entregue ao gerente. Quanto zelo.
É bom ter cuidado mesmo, afinal nesse mundo em que se vive, não podemos confiar em ninguém, ainda mais em se tratando de meninas.
Nós não sabíamos, mas já imaginávamos, e tudo foi confidenciado a nós mais tarde, por algum funcionário do hotel. É que aquela zelosa Senhora, também era dona de uma boate e que as meninas, a quem ela carinhosamente chamava de filhinhas, eram as garotas de programa, que também carinhosamente, chamavam a rufiona de mãezinha.
Certo é que pelas 22 horas, estávamos no restaurante do hotel de garfo e faca nas mãos, e rodeados pelas meninas. Chegaram em fila indiana, e todos nós sentamos, cada qual na sua posição, sempre seguindo as orientações e ordens do general de saias. Nem o marido, nem o gerente, tinham coragem sequer de levantar os olhos.
Havia no meio do restaurante, uma mesa enorme para vinte ou pessoas ou mais. Na ponta direita estava a Bruxa com um enorme porco assado à sua frente, daqueles com maçã na boca, depois tínhamos risoto, peru, macarrão, frutas e etc.
O champanha, de cidra, não podia faltar, alem do vinho tinto doce de garrafão e o refrigerante, tudo muito bem gelado, afinal aquele calor infernal também entrava pela noite e não dava trégua.
Para nossa sorte ou azar, ficamos no meio da mesa, rodeados pelas moçoilas, e muito bem vigiados, não dava nem para respirar. Estávamos incomodados com aquela situação, pois éramos o centro das atenções, os estranhos do lugar.
Toda noite, lá pelas 23 horas havia corte de energia, e naquela noite não foi diferente. Ao primeiro sinal de escuridão, a matrona completamente bêbada, de facão em punho, gritou que o primeiro Filho da Puta que saísse da mesa iria morrer. Deu ordem para que trouxessem as velas, que rapidamente foram acessas e colocados sobre a mesa.
Com a enorme faca de cortar o porco, ela ameaçava para que ninguém fosse para o corredor que dava acesso aos quartos, e aos palavrões dava ordens ao marido que obedecia resignadamente. Ninguém tinha coragem de contrariar suas ordens, nem o marido, nem o gerente amante, nem as meninas e nem nos, que não somos tatu.
Ficamos ali na mesa aterrorizados olhando para aquela figura bêbada, de facão em punho, iluminada pelas velas da mesa, imóvel feito uma estatua, olhando para nossa cara e babando. Tudo gente fina!
Demorou, mas a luz chegou e alguem logo colocou um disco para tocar e o baile começou, claro, com a autorização necessária. Foi mesmo um alivio e logo fui para fora, e fiquei lá na calçada do hotel tomando uma fresca, já que eu estava molhado de suor, não sei se pelo calor que fazia, ou pelo facão. O Waldir chegou logo depois de mim, pois não agüentava mais ficar ouvindo Odair José, Valdique Soriano e outros, sem falar nas guaranias.
Ali mesmo na calçada combinamos de voltar para casa logo pela manhã. Estávamos preocupados, com aquela situação, longe de casa, num hotel suspeito, com uma dona suspeita, com um gerente estranho, sem falar nas figuras que apareciam lá pelo hotel, que chegavam cochichavam e iam embora, e que também não nos faltou oferta de droga, que por lá, era coisa normal.
Se não conseguíssemos um trem para São Paulo, pegaríamos um ônibus cuja viagem era mais rápida, mas de qualquer forma iríamos embora, ou em ultimo caso mudaríamos de hotel. Fomos dormir e não vimos as meninas irem embora.
Pela manhã, bem cedo, pedimos para fechar a nossa conta. Agradecemos a hospitalidade e a ceia da noite passada, e nos mandamos o mais rápido possível para a estação de trem, que para nossa surpresa tinha o trem que queríamos e já estava de saída. A sorte voltou!
A volta foi muito diferente, pois pouca gente estava viajando, como é de se esperar para o dia de Natal. As pessoas sempre viajam antes ou depois, mas no dia de Natal, só os perdidos como nós.
O trem seguia pachorrento seu caminho, parava nas estações, mas era pouco o movimento de passageiros. Estávamos ansiosos paras chegar em casa, e a pouca velocidade do trem que foi uma benção na ida, se tornara um inferno na volta.
Só chegamos a Campo Grande á noite e não agüentávamos mais viajar de trem, pelo menos faríamos uma baldeação e tocaríamos o trem, já era alguma coisa.
Seria mais um dia inteiro de viagem, e esse pensamento tortuoso deu uma idéia ao Waldir. A estação rodoviária era ali próxima, já sabíamos, e a baldeação levaria ainda 10 minutos.
De mochila nas costas corremos para a estação rodoviária, para ver se tinha ônibus naquele momento para Sampa, caso contrario voltaríamos a tempo de pegar o trem na baldeação.
Era noite e erramos o caminho para a rodoviária perdendo um tempo danado. Provavelmente o trem já tinha partido e começou a bater o desespero. Por fim estávamos bem de frente à estação rodoviária, e a sorte ainda bafejava para nós. Conseguimos passagens para o ônibus, que alias estava de saída, de modo que não perdemos tempo nenhum, e ganharíamos 12 horas de viagem. Dito e feito.
Lar doce lar, passei 3 dias sem sair de casa, nem na esquina eu fui.
Saiu da estação da Luz em São Paulo às 9 horas pontualmente. Se me lembro era um trem razoavelmente confortável e muito imponente, espaçoso de dar gosto.
Tomei meu lugar, ao meu lado o meu amigo Waldir, companheiro de todas as horas nessa viagem.
Trabalhávamos na mesma empresa e quando descobrimos que poderíamos tirar férias na mesma data, arranjamos logo algo para fazer: viajar pela América do Sul de trem, o que seria uma bela aventura, alem de custar relativamente pouco, como convinha. Era o pé na estrada, no caso, pé na estrada de ferro.
Isso era mesmo coisa de jovem, passeio da moda, pois no trem encontramos outros grupos que já vinham viajando desde o nordeste, todos estudantes também, acompanhados das namoradas, do violão, papagaio e muita cantoria.
Estávamos ansiosos, esperando a partida do trem, que ainda faltavam alguns minutos e dávamos assas a imaginação especulando como seria a viagem, até onde seria possível chegar sem visto. Era meio que lenda, a historia de um acordo entre os paises da América do Sul que permitia viajar, por esses paises, só com a carteira de identidade. A política nessa região sempre foi bastante conturbada e era um golpe político atrás do outro, que dependendo do governo da época, da guerrilha e do trafico de drogas, podia-se ou não viajar só com a carteira de identidade. Mas isso nós acabaríamos descobrindo na hora de entrar na Bolívia, cuja fronteira era relativamente vigiada, nem tanto devido ao trafico de drogas e mais pelo movimento da guerrilha, já que no Brasil estávamos em plena ditadura militar e os nossos generais queriam ver esse negocio de guerrilha bem longe, afinal dava muito trabalho.
As poltronas eram numeradas, de forma que foi fácil se acomodar já que de bagagem levávamos apenas uma mochila cada um. Os passageiros todos nos seus lugares, uma ou outra criança agitando, mas nada que incomodasse, a viagem seria mesmo uma maravilha. Mal sabíamos o que nos esperava.
De fato a viagem era muito confortável , bem diferente das viagens urbanas nos trens da Santos Jundiaí, que fazíamos às vezes entre as cidades da Grande São Paulo, trens lotados, bêbados vendedor de amendoim, pastor pregando, e os batedores de carteira que nunca eram presos.
Viajamos por horas, talvez sete ou oito, até chegarmos a cidade de Bauru, onde tivemos a primeira surpresa da viagem. Uma baldeação, aquilo que nos aeroportos chamamos de conexão, que deveria ser uma coisa tranqüila e sem maiores correrias.
Quando o trem parou na estação de Bauru, todo mundo saiu correndo do trem, como se alguem gritasse bomba, bomba, e rapidamente ocupavam a outra composição de trens, que estava em frente na outra borda da plataforma.
Eu e o meu companheiro, o Waldir, calmamente apanhamos nossas mochilas e nos dirigimos para a outra composição à procura dos nossos lugares, quando descobrimos que a numeração das poltronas já era, não valia mais, quem sentou, sentou, quem não sentou não senta mais.
Nessa fase da viagem o trem já estava mais vazio, mas nem tanto, e nos acomodamos onde foi possível, já que fomos os últimos a chegar, achando que nossos lugares estavam garantidos.
Andamos por todos os vagões, procurando um lugar que nos agradasse e notamos que somente os primeiros lugares, do lado esquerdo, a contar do inicio do vagão, estavam invariavelmente desocupados.
Marinheiros de primeira viagem que éramos, mas desconfiados de tudo, e sem alternativas, ficamos em um desses lugares logo nos primeiros bancos, que alias davam mais espaço para as pernas.
O trem partiu. No primeiro tranco da partida, a porta da cabine que ficava bem a nossa frente se abriu, e descobrimos porque ninguém queria ficar naqueles lugares, e lembrei do velho ditado; laranja madura na beira da estrada, ta bichada Zé, ou tem marimbondo no pé.
A tal cabine era tão somente o banheiro, que pelo cheiro, não era limpo há semanas, motivo também da correria na baldeação: todo mundo sabia do cheiro; menos nós.
As fechaduras dos banheiros de todos os vagões estavam quebradas, de forma que as portas ficavam abrindo e fechando, conforme o movimento do trem. Não tinha como isolar aquele cheiro fechando a porta, e ainda não tinha como evitar o “beng- beng” do bater da porta, com o balanço do trem.
Alem do cheiro e das pancadas da porta, a viagem correu sem novidades, a não ser o fato de que, a cada parada nas Estações, mais gente entrava e entupia o trem. Era de madrugada, e tinha gente de pé nos corredores de tão lotada que ficou a composição.
No fim de cada vagão tinha uma espécie de varanda, local muito usado pelos fumantes pois era proibido fumar no trem, e toda hora passava um funcionário de uniforme azul para fiscalizar, ou os fumantes, ou as passagens, ou anotar algum pedido para o restaurante, ou ainda entregar o marmitex, já que o carro restaurante, não se sabe porque, não funcionava. Com o trem lotado, o povo comia em pé mesmo. Era um prato de arroz com feijão, farofa e frango, que quando caia no chão, sujava tudo de gordura e complicava ainda mais a limpeza daquele velho trem, desconfortável e sujo.
Era dezembro e o calor estava insuportável. Durante o dia a paisagem distraia, mas durante a noite com o trem cheio, a distração era olhar para a cara dos outros ou fingir que estava dormindo, já que dormir mesmo não dava.
Eram pessoas muito sofridas, tristes e com um comportamento às vezes estranho ou diferente do esperado, eram pessoas que não vemos no dia a dia, não por elas não existirem, mas por estarem escondidas na multidão. Nessas ocasiões é que percebemos a diversidade do povo brasileiro, povo moreno em sua maioria, com poucos brancos ou negros. Essa imagem da nossa gente, só se conhece viajando pelo interior do Brasil, um povo moreno como os Hindus, que não aparece na televisão, e portanto é como se não existisse, mas esse é o verdadeiro povo brasileiro. Só quem viajou pelo interior do Brasil, pode dizer que conhece seu povo, quem não viajou nem imagina. Quem não é moreno, seja da etnia que for, um dia será, claro que falamos da descendência. Um dia, seremos todos mestiços, da cor dos hindus.
Era noite, um calor infernal, e a maioria das janelas ficavam fechadas, ou por vontade do passageiro que não queria tomar vento, ou por defeito mesmo, por falta de manutenção, já que as estradas de ferro estavam se acabando, conforme a política vigente até os dias de hoje, para facilitar a vida da industria automobilística.
Mas, retornando a viagem, o calor é infernal naquela região e o que salvava era o vento do trem em movimento, mas quando o trem parava nas estações o vento sumia. Era mais gente que entrava e ninguém saia, parecia horário de pico em São Paulo, só que no meio do mato. O leitor pode estar achando que eu exagero na narrativa, mas é isso mesmo. No meio de mato a caminho de Campo Grande , duas horas da manhã, o trem lotado e um escuro de dar dó, parado no meio do nada, esperando o outro trem que vinha em sentido contrario, já que o trilho, só tem para uma via. Nós suávamos de bica.
Eu não agüentava mais aquele calor, alem do mais precisava mexer as pernas, pois já havia horas que eu estava sentado naquela poltrona desconfortável. Fui ate o fundo do trem, na tal da varanda, tomar um ar, apesar de correr o risco de perder o lugar, que o Waldir guardava. Nessas horas era preciso virar um Dobermann para convencer aos mais insistentes, que o lugar estava ocupado.
O trem continuava parado na mais completa escuridão a não ser por uma ou outra pequena luz, talvez de emergência que ficava acesa, mas não iluminava nada, apenas sinalizava sua posição. Fiquei ali na varanda fumando e me refrescando com o ar fresco, ouvindo o barulho da bicharada no mato e apreciando o céu estrelado, que pela escuridão da mata ficava mais estrelado ainda.
Havia no céu uma estrela maior que as outras, e que parecia se mexer de tão brilhante que era. Julguei ser Vênus, muitas vezes confundida com óvni, de tão grande que ela aparece no céu. Planeta ou estrela era só um detalhe diante de tanta beleza, dei a ultima tragada naquele cigarro , pensando nos bichos barulhentos da noite, quando as luzes luz se acenderam. Sinal que o trem ia partir, quando olhei novamente para o céu, Vênus havia desaparecido. Entrei rapidinho.
Meu lugar ainda estava lá, mas o povo já andava de olho, o Waldir respirou aliviado quando cheguei, e daí ele foi também tomar um ar. Não falei nada de que Vênus havia desaparecido; afinal ele iria dizer que foi o cigarro, e não foi. O cigarro era cigarro mesmo!
Foi pela manhã, lá pelas oito horas que chegamos a estação de Campo Grande, que como as demais estações, era velha e mal cuidada, só que essa era um pouquinho mais feia. Fizemos nova baldeação.
Como já não éramos mais marinheiros de primeira viagem, ficamos espertos e fizemos a baldeação na velocidade de uma bala. Nem era preciso, pois o trem estava praticamente vazio, com meia dúzia de gatos pingados.
Os banheiros cheiravam igual ou pior que a composição anterior, e esse trem era na verdade bem pior. Os bancos eram bancos de fato, de madeira ripada, daqueles que o encosto vira de frete para trás e de trás para frente, composição bem antiga do tempo dantão.
Logo depois da saída de Campo Grande, vimos um Tamanduá Bandeira enorme, correndo solitário pelo campo. Foi uma visão inesperada, e inesquecível dada à beleza do animal vivendo em liberdade.
Já estávamos chegando a uma das regiões mais bela do planeta, o Pantanal, e a viagem começava a valer.
O trem quase vazio, ia parando pelas pequenas estações de forma que podíamos com tranqüilidade apreciar o povo local, povo de fronteira, um pouco rude e com costumes estranhos para nos. Lembro de uma dessas paradas, que da janela vi uma cena que por muitos anos ficou na minha lembrança. Foi quando um homem de aspecto rude, e que estava na plataforma para tomar o trem , se despedia do amigo , dizendo que ia até a cidade mais próxima, buscar remédio para sua mulher que estava doente, e puxando um punhal da cintura, entregou ao amigo pedindo a este que cuidasse da sua família ate sua volta. O amigo pegou a arma, e com certo ar solene disse: vá tranqüilo que eu não dormirei enquanto você não voltar.
Essa imagem ficou por muito tempo na minha lembrança, marcada pela rudeza desse povo das fronteiras, talvez lembranças de um passado belicoso com os povos visinhos, coisa ainda nem tão distante no tempo, que mesmo sendo águas passadas, ainda estão na memória do inconsciente.
Chegamos em Corumbá de noitezinha com pouquíssima gente no trem. Apanhamos as nossas mochilas para pernoitar na cidade, pois ali já era fronteira com a Bolívia e precisávamos de passagens para continuar a viagem do outro lado.
Como a estação ferroviária era um pouco retirada da cidade, procuramos um táxi que nos levasse até um hotel, mas não vimos nada, tudo deserto. Procurei a ajuda de um funcionário da estação, que nos apontou uma carroça dizendo que aquele era o táxi. Não acreditei, mas era verdade.
Dissemos ao carroceiro que queríamos passar a noite na cidade, pois estávamos de viagem para a Bolívia, e queríamos um hotel, apenas por aquela noite. Muito bem, andou com aquele cavalo por dois quarteirões e já estávamos no hotel. Pagamos uma bela corrida.
Era um hotel simples, mas confortável, e próximo da estação de trem, de forma que estava de mão para o dia seguinte, para continuar a viagem.
Estávamos na recepção do hotel , preenchendo a fixa, quando o gerente pediu que colocássemos horários diferentes na chegada ao hotel, coisa estranha, mas depois ele justificou dizendo que como éramos estudantes e barbudos, se colocássemos na fixa que chegamos no hotel juntos, no dia seguinte estaríamos presos, confundidos com querrilheiros.
Ficamos preocupados, aquele hotel era mesmo estranho, mas para uma noite servia. Havíamos combinado que logo pela manhã cairíamos fora, até que tivemos boa conversa com o gerente do hotel, que nos assegurou que se tentássemos tomar o trem para Santa Cruz, sem visto, seriamos presos no meio do caminho, já que policiais federais brasileiros e bolivianos viajavam no trem a procura de subversivos, qualificação muito comum naquele tempo, usada pelas autoridades para extorquir os cidadãos.
Informara ainda que a historia de se viajar só com a carteira de identidade, valia para bolivianos que vinham para o Brasil, mas não valia para brasileiros que iam para a Bolívia, tudo dependendo do governo que estava no poder.
Fomos até a Capitania dos Portos tentar uma autorização, que seria um tipo de Salvo Conduto, um tipo de quebra-galho, para que pelo menos pudéssemos chegar a Santa Cruz, sem sermos incomodados, ou se fossemos, teríamos algum documento para apresentar, tanto para uma policia, quanto para a outra.
Em vão, não conseguimos nada, talvez por causa da barba comprida, pois fomos muito mal atendidos pelos militares que ali estavam, já que era comum fornecerem essa autorização provisória, segundo os moradores do lugar. Essa vida de marinheiro de primeira viagem é triste. Para nós era o fim da linha.
Diante dos imprevistos, acabamos ficando naquele hotel estranho mesmo, já que fizéramos amizade com o Gerente, que descobrimos depois, era amante da dona do Hotel e amigão do marido dela, que também trabalhava lá pelo hotel, fazendo não lembro o que. Tiramos o dia para descansar e conhecer a cidade.
Corumbá é mesmo uma cidade muito quente, a temperatura às vezes beira e até passa os quarenta graus. Nos restaurantes e nos cafés, se servia primeiramente, pedisse ou não, água gelada em jarras enormes, que de tempos em tempos, eram trocadas por outras, já que perdiam o gelo muito de modo muito rápido.
Cerveja gelada saia do frízer, e tinha que ser bebida imediatamente, senão esquentava,
Apesar do calor, fumante que eu era, resolvi tomar um cafezinho antes do cigarro e entramos em uma dessas casas de café.
Achei que tinha errado a porta e entrado em alguma sorveteria. As paredes e o balcão eram de mármore ou granito, dando a impressão de estarmos em uma daquelas sorveterias antigas. Serviam nos balcões,as tais jarras de água gelada com copos igualmente enormes. Pedi o café, fumei meu cigarro e tomei a água gelada antes de ir embora e sair de novo naquele sol de matar.
O calor era tanto que para se tomar um cafezinho, primeiro tomava-se um copo de água gelada e só depois se tomava o café, alguns tomavam outro copo de água gelada depois do café.
No hotel, principalmente no restaurante, e durante o jantar, é que era possível observar a movimentação dos outros hospedes.Tão estranhos quanto o hotel,os hospedes estavam sempre cochichando às mesas, olhando de lado, sempre com ar desconfiado, principalmente na nossa presença. Acho que os estranhos nessa historia éramos eu e o Waldir.
No dia seguinte, fizemos um passeio de ônibus até Puerto Suarez, na Bolívia, para fazermos compras. Um
ônibus partia ali do centro de Corumbá, passava pela Aduaneira e parava em Puerto Suarez. Cidade pequena que mais parecia um vilarejo.
A Aduaneira, como era chamada, era provavelmente um posto do Exercito, já que pelo uniforme que usavam, pelas armas que carregavam e pela educação que tinham,não poderia ser outra coisa. Ameaçavam todo mundo, primeiro pedindo documentos de um e de outro, e os nossos evidentemente, alem de nos encheram de perguntas. Só não fomos presos, porque não por acaso, levamos nossas carteiras profissionais, que serviu para mostrar que não éramos apenas estudantes.
Nessa época estudante, comunista e guerrilheiro era tudo a mesma coisa, para o exercito naturalmente. Depois de checados os documentos e feito o interrogatório, ameaçavam prender quem comprasse produtos brasileiros, como camisetas, calças, sapatos e sei lá mais o que, já que no retorno o ônibus haveria uma revista geral.
Seguimos viagem por aquela estrada de terra , e dois quilômetros pra frente, passamos pela fiscalização Boliviana. Era um quiosque de sapé, com um único soldado, que sentado sobre uma cerca de mourões, acenava para nós dando um tchau. O motorista acelerou, e sumimos por entre as curvas da estrada barrenta, parando somente no nosso destino. Ainda era de manhã.
Era uma única rua , enlameada, que acabava em um rio, de forma que tínhamos que andar pelas calçadas, feitas de madeira, como nos filmes sobre o Velho Oeste. As lojas também eram de madeira e muito mal cuidadas, algumas nem pitadas eram. Nas vitrines, relógios Rolex, maquinas fotográficas e bebidas estrangeiras, faziam um contraste indescritível com o lugar.
Entramos em um bar e pedimos uma cerveja, afinal era preciso comemorar, não foi como queríamos, mas estávamos na Bolívia, e para caprichar pedimos uma cerveja boliviana; nem cachaça pura era tão ruim, e ainda estava sem gelo. Não deu para tomar.
Por fim compramos artesanato indígena e voltamos para o ônibus, pois era impossível andar pelas lojas, não pelo excesso de gente, mas pelo excesso de barro.
Voltamos para Corumbá, já á tarde, lá pelas quatro horas. O soldado Boliviano já tinha ido embora, a aduana no Brasil realmente revistou os passageiros, e liberou todo mundo e a viagem terminou sem sobressaltos.
Acho que por causa dos atropelos da viagem , os imprevistos, e o fato de estar longe da família, não havíamos percebido que os dias haviam se passado rapidamente e já era véspera de natal. Não podíamos seguir viagem sem os vistos e não havia tempo de retornar, para passar o natal em casa. Resolvemos passar o Natal no Hotel.
Como a essa altura, nos éramos os únicos hospedes no hotel, acabamos sendo convidados para a ceia de Natal, que seria promovida pela dona do hotel, cujo nome não lembro mais. Mas como nada na vida é de graça, havia uma condição a cumprir : teríamos que entregar a chave do quarto na recepção enquanto as meninas estivessem no hotel. Meninas?
Aconteceu um impasse. A ceia era uma coisa familiar e nada tinha a haver com os hospedes Hotel e como eles podiam colocar a gente para fora, resolveram nos convidar para ceia, desde que nos comportássemos, já que as meninas eram as filhas da dona do hotel.
Fiquei muito impressionado com aquela mulher, que me parecia uma bruxa mandona, pouco incomodada com o pobre marido, sempre chamando sua atenção, mesmo na presença dos hospedes, mal encarada e pouco ligando para as palavras. Tinha lá seus 48 anos, altura mediana, meio gorda, e com um andar que mais parecia uma pata indo para a lagoa. Quem acreditaria que essa megera, havia adotado crianças pobres, as quais cuidava com tanto zelo, que chamava de filhas, tendo pedido que mantivéssemos a porta do nosso quarto trancado, e com a chave entregue ao gerente. Quanto zelo.
É bom ter cuidado mesmo, afinal nesse mundo em que se vive, não podemos confiar em ninguém, ainda mais em se tratando de meninas.
Nós não sabíamos, mas já imaginávamos, e tudo foi confidenciado a nós mais tarde, por algum funcionário do hotel. É que aquela zelosa Senhora, também era dona de uma boate e que as meninas, a quem ela carinhosamente chamava de filhinhas, eram as garotas de programa, que também carinhosamente, chamavam a rufiona de mãezinha.
Certo é que pelas 22 horas, estávamos no restaurante do hotel de garfo e faca nas mãos, e rodeados pelas meninas. Chegaram em fila indiana, e todos nós sentamos, cada qual na sua posição, sempre seguindo as orientações e ordens do general de saias. Nem o marido, nem o gerente, tinham coragem sequer de levantar os olhos.
Havia no meio do restaurante, uma mesa enorme para vinte ou pessoas ou mais. Na ponta direita estava a Bruxa com um enorme porco assado à sua frente, daqueles com maçã na boca, depois tínhamos risoto, peru, macarrão, frutas e etc.
O champanha, de cidra, não podia faltar, alem do vinho tinto doce de garrafão e o refrigerante, tudo muito bem gelado, afinal aquele calor infernal também entrava pela noite e não dava trégua.
Para nossa sorte ou azar, ficamos no meio da mesa, rodeados pelas moçoilas, e muito bem vigiados, não dava nem para respirar. Estávamos incomodados com aquela situação, pois éramos o centro das atenções, os estranhos do lugar.
Toda noite, lá pelas 23 horas havia corte de energia, e naquela noite não foi diferente. Ao primeiro sinal de escuridão, a matrona completamente bêbada, de facão em punho, gritou que o primeiro Filho da Puta que saísse da mesa iria morrer. Deu ordem para que trouxessem as velas, que rapidamente foram acessas e colocados sobre a mesa.
Com a enorme faca de cortar o porco, ela ameaçava para que ninguém fosse para o corredor que dava acesso aos quartos, e aos palavrões dava ordens ao marido que obedecia resignadamente. Ninguém tinha coragem de contrariar suas ordens, nem o marido, nem o gerente amante, nem as meninas e nem nos, que não somos tatu.
Ficamos ali na mesa aterrorizados olhando para aquela figura bêbada, de facão em punho, iluminada pelas velas da mesa, imóvel feito uma estatua, olhando para nossa cara e babando. Tudo gente fina!
Demorou, mas a luz chegou e alguem logo colocou um disco para tocar e o baile começou, claro, com a autorização necessária. Foi mesmo um alivio e logo fui para fora, e fiquei lá na calçada do hotel tomando uma fresca, já que eu estava molhado de suor, não sei se pelo calor que fazia, ou pelo facão. O Waldir chegou logo depois de mim, pois não agüentava mais ficar ouvindo Odair José, Valdique Soriano e outros, sem falar nas guaranias.
Ali mesmo na calçada combinamos de voltar para casa logo pela manhã. Estávamos preocupados, com aquela situação, longe de casa, num hotel suspeito, com uma dona suspeita, com um gerente estranho, sem falar nas figuras que apareciam lá pelo hotel, que chegavam cochichavam e iam embora, e que também não nos faltou oferta de droga, que por lá, era coisa normal.
Se não conseguíssemos um trem para São Paulo, pegaríamos um ônibus cuja viagem era mais rápida, mas de qualquer forma iríamos embora, ou em ultimo caso mudaríamos de hotel. Fomos dormir e não vimos as meninas irem embora.
Pela manhã, bem cedo, pedimos para fechar a nossa conta. Agradecemos a hospitalidade e a ceia da noite passada, e nos mandamos o mais rápido possível para a estação de trem, que para nossa surpresa tinha o trem que queríamos e já estava de saída. A sorte voltou!
A volta foi muito diferente, pois pouca gente estava viajando, como é de se esperar para o dia de Natal. As pessoas sempre viajam antes ou depois, mas no dia de Natal, só os perdidos como nós.
O trem seguia pachorrento seu caminho, parava nas estações, mas era pouco o movimento de passageiros. Estávamos ansiosos paras chegar em casa, e a pouca velocidade do trem que foi uma benção na ida, se tornara um inferno na volta.
Só chegamos a Campo Grande á noite e não agüentávamos mais viajar de trem, pelo menos faríamos uma baldeação e tocaríamos o trem, já era alguma coisa.
Seria mais um dia inteiro de viagem, e esse pensamento tortuoso deu uma idéia ao Waldir. A estação rodoviária era ali próxima, já sabíamos, e a baldeação levaria ainda 10 minutos.
De mochila nas costas corremos para a estação rodoviária, para ver se tinha ônibus naquele momento para Sampa, caso contrario voltaríamos a tempo de pegar o trem na baldeação.
Era noite e erramos o caminho para a rodoviária perdendo um tempo danado. Provavelmente o trem já tinha partido e começou a bater o desespero. Por fim estávamos bem de frente à estação rodoviária, e a sorte ainda bafejava para nós. Conseguimos passagens para o ônibus, que alias estava de saída, de modo que não perdemos tempo nenhum, e ganharíamos 12 horas de viagem. Dito e feito.
Lar doce lar, passei 3 dias sem sair de casa, nem na esquina eu fui.
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Quem é o Patinho Branco?
- Patinho Branco
- Itanhaém, SP, Brazil
- Formado em Administração, pescador de pesqueiro, palmeirense de quatro costados. Adoro os anos 70: tenho uma Caloi 10( são três na verdade), um fuca bala além de uma maquina fotografica Pentax Assay 35mm, só para curtir essa década maravilhosa. Cultivo uma pequena horta de temperos no quintal. Temos Manjericão do comum e do roxo, Alecrim, Hortelã, Salsinha, Cebolinha, orégano, Pimenta dedo de moça, malagueta e de cheiro. Gosto de estar com a familia, churrasquear e cozinhar, pedalar e bater papo com os amigos. Caminhar na praia é atividade obrigatória de todos os dias, quando o tempo ajuda.