Patinho Branco

terça-feira, 7 de julho de 2009

O Rei do Abacaxi



Lá pelos anos cinqüenta, muitas empresas multinacionais se instalaram no Brasil, meio que no imprevisto, na base da correria, tentando se adaptar o mais rápido possível ao novo ambiente. Sem mais nem menos, do dia para a noite já estavam, funcionando mesmo que precariamente. Havia é evidente falta de mão de obra capaz ou especializada, de forma que as empresas iam contratando às correrias e sem muito critério.Tudo em matéria de mão de obra na industria era novidade, cargos e profissões que nunca se ouvira até então falar. Todos precisavam de treinamento por parte das empresas, que sempre traziam muita gente dos seus paises de origem, justamente para isso. Via de regra os funcionários estrangeiros, ocupavam cargos de chefia, ou postos chaves na empresa e assim os funcionários aqui contratados, eram treinados e supervisionados.
Havia dificuldade para se contratar gente até para as funções mais simples, faxineiros não havia, nem torneiros, nem mecânicos ou eletricistas. Ferramenteiros nem pensar. Mas havia cargos que evidentemente não implicavam em uma profissão e ai se enquadrava o nosso personagem: mão de obra desqualificada, mas necessária.

Waldemar , homem de seus trinta e cinco anos, de estatura pequena, magro que como tantos vinham para São Paulo no velho e conhecido, Pau de Arara, meio de transporte muito usado por esses anos e depois tambem, para o transporte de nordestinos para o sul do país.
Waldemar fora contratado, não se sabe os detalhes, para cuidar do relógio de ponto de uma fabrica que acabara de se instalar no país. Os poucos funcionários, talvez quinze no escritório e não mais que oitenta na fabrica, davam conta da pequena produção inicial.
Waldemar, homem sofrido com a vida dura do sertão, não sabia ler nem escrever. Apegou-se àquele emprego como quem se apega a o ultimo fio de vida. Vigiava aquela chapeira onde ficavam os cartões de ponto como um perdigueiro, que vigia sua presa, cuidando para ninguém marcasse o cartão de outra pessoa, pois a malandragem nunca saiu de moda. Era comum alguém marcar o cartão de um amigo que faltou, de modo a que este, é claro, não ficasse com falta. O nosso personagem, não se cansava, tinha olhos de águia, vigiava o pessoal, cuidava para que o relógio de ponto estivesse sempre com o horário correto, não descansava.
Durante o passar dos anos, a produção foi aumentando, e a contratação de empregados na fabrica, também aumentava. Por conta disso o Waldemar já ha tempos, tinha outra atribuição, tocar pontualmente o apito da fabrica, de modo a controlar os horários de entrada e saída no trabalho, o horário do café de cada seção individualmente;pela manhã e pela tarde e controlar a entrada e saída do almoço. Não era pouco.
A quantidade de relógios de ponto já havia aumentado para quatro, ficando eles estrategicamente colocados em um corredor, um tanto estreito, para acesso dos empregados aos relógios, aos banheiros, e ao refeitório.

O apito também ficava no corredor ao lado dos relógios, de forma que dali era possível vigiar e controlar quem ia ao banheiro e quanto tempo ficava, se alguém ia tomar café fora do horário da seção, enfim, esse era o lugar, o reino do Waldemar.

Durante mais de dez anos essa foi a sua vida, ele nunca esmoreceu, parecia um oficial da SS, não falava com ninguém, e quando o fazia era para chamar a atenção desse ou daquele empregado, mais desatento ou indisciplinado e se não fosse respeitado o fim era o departamento pessoal.

Nunca faltou um só dia, nunca ficou doente, era simplesmente exemplar, lutava pela empresas com se ela fosse a única razão de sua vida, e que de fato era.

Um dia, o gerente do departamento pessoal, se aposentou. Ao se despedir de Waldemar, funcionário exemplar de tantos anos, depois de um abraço de gratidão, seu chefe tirou o relógio do pulso e deu ao amigo em reconhecimento á sua dedicação .
Chegou o novo gerente contratado, cheio de idéias, esse sim já um profissional dos novos tempos. Com curso superior como exigia o cargo, falava inglês fluentemente, como convinha a um gerente, muito diferente daquele que estava sendo substituido.
Valdemar continuava seu trabalho, sempre com afinco, quando um dia no final do expediente foi chamado pelo novo gerente, sendo logo informado que diante as novas diretrizes da empresa, para a função de tocador de apito havia a necessidade de um mínimo de escolaridade e ele não se enquadrava exatamente no perfil necessário para o cargo. Estava despedido.
O mundo demorou e desabou sobre o Waldemar, nada mais tinha sentido, pensava nos relógios, nas pessoas indo para o almoço, voltando do café. Não demorou a entrar em depressão, e foi um drama, mas assim como veio a dor, ela se foi. O tempo cicatriza tudo.
O nosso personagem bem que procurou outro emprego, mas em vão, alem de analfabeto, já devia estar com mais de quarenta anos, dois atributos de uma mão de obra que não interessava às empresas. Para ganhar algum dinheiro, foi como se diz, marretar. Trabalhar de ambulante que era o que fazia, quem não tinha emprego.
Naquela epoca, muito diferente de hoje, havia muitos terrenos vazios, grandes areas desocupadas, muitas do proprio governo, ou em litigio na justiça, de modo que essas areas eram ocupadas pela população para laser, e via de regra era para a pratica de futebol.
Eram muitos os campos de futebol, uns apos o outro, locais onde nos finais de semana ferviam de gente, ou para jogar, ou para se distrair, ver os amigos, enfim, passear.

Cada vila tinha seu time formado, cada paróquia também com a benção do padre, cada fabrica também tinha seu time, e cada time com seu fardamento colorido, que nada mais era como se chamava o uniforme naquela época. Era um espetáculo de cores, os campos de futebol eram tão próximos um do outro que todo aquele colorido dos uniformes formavam um caleidoscópio gigantesco.
Todo final de semana Waldemar acordava bem cedinho, pegava um carrinho de mão, e ia para a várzea onde estava a maioria dos campos de futebol. Descascava abacaxis que vendia em fatias, ia passando ao lado dos jogadores e das torcidas oferecendo a fruta que veio diretamente da fazenda, alardeava ele, e seguia vendendo seus abacaxis, de forma que no fim do dia, ele voltava para casa de carrinho vazio.
Com a mesma tenacidade com que tocou o apito da fabrica, por tantos anos, agora ele vendia abacaxis, e se no inicio teve dificuldade, se sentiu constrangido ou mesmo incomodado, agora já se habituara.
Diferentemente de antes, agora ele descobriu que podia se dar com as pessoas, fazer amigos, coisa que nunca havia acontecido na fabrica. Aonde ele chegava era saudado pelas pessoas, que logo se achegavam, e o carrinho ficava vazio cada vez mais rápido. Não demorou e a família também entrou no negocio e assim as coisas foram caminhando e crescendo.
Uns anos depois, Waldemar já era conhecido como o rei do abacaxi, comprou um caminhão, que seu filho dirigia, e construiu um galpão onde vendia frutas em geral a preços mais cômodos para os vendedores ambulantes da região.
Hoje ele é um prospero comerciante, mora em uma bela casa e tem muitos funcionários. Comenta com muito orgulho que todos os seus filhos são formados, e dá uma importância muito grande aos estudos.
Vez por outra, ele olha para o passado e se lembra do lugarejo onde nasceu, lá no interior do nordeste, uma cidadezinha sem recursos, sem luz, sem água encanada e possivelmente sem escola até hoje.

Depois de alguns anos a fabrica, acabou sendo vendida, para cobrir prejuízos da Matriz em outros paises. A nova compradora, uma conceituada empresa do ramo de alimentação, estava investindo para abrir o leque de atuação no mercado e não perdeu tempo para reformular a estrutura de toda a fabrica,

Entre outras, uma das prioridades, foi substituir os funcionários velhos na empresa, por novos, mais gabaritados, com escolaridade mais adequada, dentro dos padrões e da nova realidade da sociedade brasileira, e evidentemente com “salários reduzidos”.

Depois de algum tempo a fabrica fechou, simplesmente por perda de tecnologia, pois eram os velhos que conheciam a fabrica, que sabiam detalhes do processo de produção, que conheciam os defeitos e as manhas das maquinas. Tentaram recontratar esses velhos empregados, mas já era tarde demais. Foi no chão de fabrica, que a fabrica morreu, pois perdeu o conhecimento e a técnica de fabricação. Recomeçar custava muito dinheiro, não compensava mais.

E o Waldemar? Está a beira da piscina, feliz, dando graças a Deus de não ter estudado.

Se soubesse ler e escrever, teria passado o resto da vida tocando o apito da fabrica, e por fim estaria desempregado e ferrado feito um peixe no anzol.

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Itanhaém, SP, Brazil
Formado em Administração, pescador de pesqueiro, palmeirense de quatro costados. Adoro os anos 70: tenho uma Caloi 10( são três na verdade), um fuca bala além de uma maquina fotografica Pentax Assay 35mm, só para curtir essa década maravilhosa. Cultivo uma pequena horta de temperos no quintal. Temos Manjericão do comum e do roxo, Alecrim, Hortelã, Salsinha, Cebolinha, orégano, Pimenta dedo de moça, malagueta e de cheiro. Gosto de estar com a familia, churrasquear e cozinhar, pedalar e bater papo com os amigos. Caminhar na praia é atividade obrigatória de todos os dias, quando o tempo ajuda.